Celina Assédio

Empresas e municípios criam ações para combater assédio nos transportes por aplicativos

Para especialistas, é fundamental que sociedade civil, além do Estado, se mobilize para enfrentar a violência sexual nos deslocamentos nas cidades
Apps combatem o assédio nas ruas Foto: Divulgação
Apps combatem o assédio nas ruas Foto: Divulgação

Para muitas mulheres, planejar o caminho para o trabalho ou os estudos inclui fatores além de tempo de trajeto ou opções de transporte. O medo de sofrer algum tipo de violência sexual no caminho é baseado em uma realidade: a ocorrência de casos de assédio e importunação sexual nos ônibus, trens e veículos de transporte por aplicativo.

De acordo com a pesquisa “Percepções sobre segurança das mulheres nos deslocamentos pela cidade”, feita pelos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão, com apoio da ONU Mulheres e Uber, há uma sensação geral de insegurança durante os deslocamentos urbanos entre as brasileiras. Isso porque, segundo o levantamento, 69% das mulheres já foram alvo de olhares insistentes e cantadas inconvenientes ao se deslocarem pela cidade e 35% já sofreram importunação sexual.

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Diante disso, prefeituras, governos estaduais, sociedade civil e empresas lançam, cada vez mais, iniciativas para combater o assédio e ajudar as vítimas a reportar, se foram vítimas. Na esfera pública, o que ficou conhecido como “botão do pânico”, para denunciar casos de importunação e violência doméstica, vem se tornando cada vez mais comuns. Já no âmbito privado, companhias de transporte por aplicativo se mobilizam para coibir o crime, principalmente com auxílio da tecnologia.

Para a advogada Leila Linhares, coordenadora-executiva da ONG Cepia, é fundamental que empresas e sociedade civil se mobilizem, além do Estado, no combate aos crimes de violência contra a mulher - especialmente no que diz respeito à conscientização e prevenção. Nesse sentido, segundo ela, a iniciativa privada tem se mobilizado.

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- Há uma tendência do Estado de criar leis cada vez mais punitivistas, e isso não está dando resultado, seja nos crimes de violência sexual em casa ou na rua - pontua Linhares. - Deve haver um esforço conjunto da sociedade e do Estado não só para orientar mulheres a se proteger desses ataques mas também a como mudar a mentalidade social, para que todos se comprometam e se responsabilizem.

'Botões de pânico'

Em cidades como Belo Horizonte e Campinas, as prefeituras adotaram o “botão do pânico”, que mulheres podem acionar se forem vítimas de assédio ou importunação nos ônibus. Um dos mais recentes a ser implementado foi em Campinas, em São Paulo. O “Bela - Botão de Emergência na Luta contra o Assédio” foi lançado em agosto e está disponível em um aplicativo do município. Além das vítimas, qualquer pessoa que presenciar um caso desses pode usar o botão e denunciar.

O Bela funciona com base na localização do celular da pessoa que o acionar e no banco de dados do aplicativo da prefeitura. Essas informações auxiliam a Guarda Municipal da cidade a traçar as melhores estratégias para atender ao caso.

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Já em Belo Horizonte, o recurso foi implementado em 2018. Um ano após o funcionamento, o dispositivo contra assédio dentro de ônibus na cidade resultou na detenção de 14 suspeitos. Entre janeiro e setembro de 2019, o botão chegou a ser acionado 28 vezes. Na iniciativa mineira, os motoristas são responsáveis por disparar o botão sempre que houver algum tipo de assédio dentro dos veículos.

Para Linhares, ter “botões do pânico” pode ser uma medida muito pontual e para casos específicos, como de violência doméstica, e que não dá conta do problema como um todo. A advogada comenta que é importante, também, que as empresas de transporte sensibilizem seus motoristas para que estejam atentos e saibam agir em situações de assédio, por exemplo.

- (O botão de pânico) É um instrumento de defesa pessoal. Temos que criar mecanismos de defesa coletiva, com a conscientização de todos. Precisamos que, diante de uma situação de assédio sexual, possamos dar aopio a vítima e protegê-la - pontua a advogada.

Seguindo esta linha, a Secretaria Municipal de Políticas e Promoção da Mulher do Rio de Janeiro  realizou em julho e agosto capacitações de funcionários do transporte público sobre como agir em situações violência contra a mulher. Ao todo, 61 profissionais, entre eles motoristas, fiscais de trânsito e cobradores dos coletivos, receberam os treinamentos.

Tecnologia a favor

A advogada Thaís Perico, especialista em direitos das mulheres, relembra a pesquisa da ONU Mulheres sobre segurança das mulheres na mobilidade urbana e destaca como as mulheres têm muito mais medo de se locomover pelas cidades - ainda mais para as periferias e menos centrais. Ela argumenta que existe uma questão cultural sobre assédio que abarca os motoristas de aplicativos ou ônibus num geral.

- O medo das mulheres é sofrer violência sexual enquanto que os homens temem sofrer furto, roubo… A insegurança tem relação direta com o gênero - diz Perico. - é muito importante que se fale sobre mobilidade urbana com um recorte de violência de gênero importante.

Nesse sentido, quando as alternativas de transporte parecem inseguras, muitas mulheres recorrem aos aplicativos. Na 99, por exemplo, 60% de seus passageiros são mulheres. Para prevenir e combater casos de assédio, a empresa utilizou dos benefícios da tecnologia. Os carros dos colaboradores têm sistemas de inteligência artificial para proteger os passageiros e motoristas parceiros, tanto preventivamente quanto reativamente. Uma série de algoritmos são criados e implementados para atuar nos diferentes momentos de uma viagem solicitada pelo aplicativo.

Os mecanismos implementados pela 99 mapeiam corridas solicitadas por mulheres em situação de maior vulnerabilidade, como viagens à noite, de longa duração, chamadas por terceiros ou partindo de regiões de grande fluxo, como bares e casas noturnas. Ao mesmo tempo, esses sistemas inteligentes analisam os motoristas nas redondezas e atribuem uma pontuação a cada um deles, baseado em fatores como gênero e nota na plataforma.

De acordo com a empresa, foi registrada uma queda de 13% em ocorrências de assédio na plataforma, por milhão de corridas, em todo o país, entre julho de 2020 a julho de 2021. Segundo a 99, a redução é resultado de investimentos contínuos em tecnologia.

A Uber também tem ferramentas de segurança que atuam antes, durante e depois das viagens, como, por exemplo, o compartilhamento de localização, gravação de áudio, detecção de linguagem imprópria no chat, botão de ligar para a polícia, entre outros.

Desde 2018 a empresa possui diversas ações como campanhas contra o assédio, pesquisas, podcast educativo para motoristas parceiros sobre violência de gênero e, recentemente, em parceria com o MeToo, um canal de suporte psicológico para apoiar vítimas de violência de gênero na plataforma.