• Beatriz Gatti*
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Pediatra, Zilda Arns se dedicou intensamente ao combate à desnutrição e à mortalidade infantil (Foto: Arquivo/Pastoral da Criança)

Pediatra, Zilda Arns se dedicou intensamente ao combate à desnutrição e à mortalidade infantil (Foto: Arquivo/Pastoral da Criança)

A reaplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021 trouxe, no domingo (9), o “Reconhecimento da contribuição das mulheres nas ciências da saúde no Brasil” como tema de redação. No primeiro dia de provas, os mais de 340 mil candidatos também tiveram que responder a outras 90 questões objetivas nas áreas de linguagens e ciências humanas.

Realizam a reaplicação alunas e alunos que perderam as provas regulares em novembro de 2021, participantes que tiveram isenção na taxa de inscrição de 2020 e não compareceram à edição, e pessoas privadas de liberdade (PPL). A caminho do terceiro ano de pandemia no Brasil e no mundo, a redação exigiu dos candidatos conhecimentos sobre a discussão acerca do papel e do espaço das mulheres na ciência, especialmente voltada a questões de saúde.

Confira abaixo oito exemplos, dentre muitos, de mulheres que se confirmaram como grandes nomes na saúde no Brasil — e que, por isso, merecem seu devido reconhecimento.

1. Rita Lobato

Nascida em 1866, Rita Lobato Velho Lopes foi a primeira médica a se formar no Brasil e uma das pioneiras da área também na América Latina. Especializou-se em ginecologia e obstetrícia e foi considerada ousada para a época ao defender uma tese a respeito dos métodos utilizados em cesáreas.

Selo brasileiro de 1967 em homenagem a Rita Lobato  (Foto: Wikimedia Commons)

Selo brasileiro de 1967 em homenagem a Rita Lobato (Foto: Wikimedia Commons)

Exerceu a profissão até 1925 e depois, sob influência da bióloga Bertha Lutz, passou a integrar o movimento feminista que lutava pelo direito ao voto. Foi pioneira também na política, ao tornar-se a primeira mulher eleita vereadora em Rio Pardo, Rio Grande do Sul, em 1934.

2. Nise da Silveira

Nise da Silveira, uma das maiores médicas do Brasil (Foto: Divulgação)

Nise da Silveira, uma das maiores médicas do Brasil (Foto: Divulgação)

Única mulher a se formar em medicina em sua turma, Nise da Silveira foi uma expoente da luta antimanicomial. Como psiquiatra, revolucionou os tratamentos do campo ao combater métodos agressivos como eletrochoques e, em vez disso, oferecer a seus pacientes pincéis e tintas, entendendo a arte como um processo terapêutico. As obras produzidas foram reunidas no Museu de Imagens do Inconsciente, fundado pela médica em 1952.

Discípula de Carl Jung, Silveira também mudou a psiquiatria ao enxergar que interações com animais tinham potencial para contribuir em tratamentos. A percepção aconteceu após deixar uma cadela aos cuidados de um paciente no pátio do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, onde trabalhou no Rio de Janeiro.

3. Maria Deane

Maria Deane, parasitologista que fez pesquisas em prol da erradicação de diversas epidemias  (Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução Fiocruz)

Maria Deane, parasitologista que fez pesquisas em prol da erradicação de diversas epidemias (Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução Fiocruz)

Parasitologista renomada nacional e internacionalmente, Maria Deane publicou mais de uma centena de artigos e trabalhou intensamente para a erradicação de epidemias, como as de malária, leishmaniose e leptospirose.

Junto a seu marido Leônidas de Melo Deane, também parasitologista, participou da fundação de instituições como o Instituto de Patologia Experimental do Norte, o Instituto Evandro Chagas, o Serviço de Malária do Nordeste e o Serviço Especial de Saúde Pública.

Em 1980, passou a trabalhar no Instituto Oswaldo Cruz como chefe do departamento de Protozoologia. Seis anos depois, foi nomeada vice-diretora do instituto que se tornaria a atual Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

4. Zilda Arns

Chamada de “a Madre Teresa brasileira", Zilda Arns desempenhou papel fundamental no combate à desnutrição e à mortalidade infantil no Brasil. Durante a infância, a catarinense sofreu resistência de seu pai ao afirmar que queria fazer medicina, mas foi incentivada pelo irmão mais velho, Paulo Evaristo Arns, que mais tarde seria nomeado cardeal e se tornaria um dos religiosos mais resistentes à ditadura militar (1964-1985).

Zilda Arns em 2004 (Foto: Wikimedia Commons)

Zilda Arns em 2004 (Foto: Wikimedia Commons)

Pediatra dedicada às comunidades de baixa renda, ela criou a Pastoral da Criança em 1983, na cidade paranaense de Florestópolis, com o objetivo de apresentar estratégias de prevenção e oferecer tratamento contra enfermidades que afetavam principalmente crianças e mães. Arns foi uma voz ativa ao cobrar de políticos, Igreja e figuras importantes da sociedade ações que contribuíssem para reduzir a desnutrição e mortalidade infantis.

Em 2004, criou também a Pastoral da Pessoa Idosa, que até hoje acompanha milhares de idosos por meio de visitas domiciliares em mais de 1 mil municípios no Brasil. Indicada pelo governo brasileiro ao Nobel da Paz quatro vezes, ela faleceu em 2010 durante uma viagem ao Haiti e se juntou às mais de 200 mil vítimas do terremoto que assolou o país caribenho naquele ano.

5. Adriana Melo

Nascida em 1969, Adriana Melo formou-se em medicina na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e foi uma das primeiras profissionais da saúde a constatar a relação entre o vírus zika e a microcefalia, em 2015. A obstetra observou que muitas gestantes atendidas por ela e que estavam contaminadas com o zika geravam bebês com a síndrome em que a cabeça do recém-nascido é menor do que o esperado.

 Dra. Adriana Melo, pioneira na identificação da ligação entre o vírus zika e a microcefalia  (Foto: @dra_adrianamelo/Reprodução Instagram)

Dra. Adriana Melo, pioneira na identificação da ligação entre o vírus zika e a microcefalia (Foto: @dra_adrianamelo/Reprodução Instagram)

Atualmente, Melo é presidente do Instituto de Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto (Ipesq), dedicado a estudos na área da saúde materno-infantil.

6. Jaqueline Goes

Jaqueline Goes foi uma das mulheres que sequenciaram o genoma do Sars-CoV-2 apenas dois dias depois do primeiro caso de Covid-19 ter sido confirmado no Brasil. Pós-doutoranda no Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Universidade de São Paulo (USP), ela produz pesquisas de sequenciamentos de arboviroses emergentes, incluindo a do vírus zika (sobre o qual vem desenvolvendo um projeto de mapeamento genômico).

Jaqueline Goes foi uma das cientistas que lideraram o sequenciamento do genoma do Sars-CoV-2 no Brasil  (Foto: Currículo Lattes)

Jaqueline Goes foi uma das cientistas que lideraram o sequenciamento do genoma do Sars-CoV-2 no Brasil (Foto: Currículo Lattes)

No final de 2021, Goes foi homenageada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) com a Comenda Zilda Arns 2020, prêmio que objetiva o reconhecimento do trabalho de pessoas dedicadas ao desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e da garantia do direito humano à saúde.

7. Ester Sabino

Ester Sabino, ex-diretora do Instituto de Medicina Tropical da USP e uma das cientistas que sequenciaram o novo coronavírus (Foto: Currículo Lattes)

Ester Sabino, ex-diretora do Instituto de Medicina Tropical da USP e uma das cientistas que sequenciaram o novo coronavírus (Foto: Currículo Lattes)

Professora do departamento de Moléstias Infecciosas na Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretora do IMT-USP, Ester Sabino foi uma das colegas de Jaqueline Goes no estudo que sequenciou o genoma do Sars-CoV-2 com rapidez surpreendente.

A partir de então, a imunologista passou a ser uma das referências no rastreamento genômico do coronavírus no país. Em março de 2021, inclusive, a Secretaria de Desenvolvimento do governo de São Paulo criou uma premiação em sua homenagem.

Segundo o site da secretaria, o Prêmio Ester Sabino para Mulheres Cientistas do Estado de São Paulo tem como intuito “reconhecer a contribuição inestimável das mulheres cientistas para o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico” do estado paulista e será promovido anualmente em 11 de fevereiro, data em que se comemora o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Junto a Sabino, Jaqueline Goes também foi homenageada durante o anúncio da criação do prêmio.

8. Sue Ann Costa Clemmens

Brasileira, Sue Ann Costa Clemens é professora da Universidade de Oxford, conselheira de desenvolvimento de vacinas da Fundação Bill e Melinda Gates e uma das fundadoras do primeiro programa de vacinologia do mundo, na Universidade de Siena, na Itália. (Foto: Divulgação)

Brasileira, Sue Ann Costa Clemens é professora da Universidade de Oxford, conselheira de desenvolvimento de vacinas da Fundação Bill e Melinda Gates e uma das fundadoras do primeiro programa de vacinologia do mundo, na Universidade de Siena, na Itália. (Foto: Divulgação)

Médica formada pela Universidade Souza Mendes, Sue Ann Costa Clemmens iniciou sua carreira se dividindo entre os atendimentos clínicos e a pesquisa acadêmica. Após especializações e pós-graduações, foi responsável por criar o primeiro programa de mestrado em vacinologia do mundo, na Universidade de Siena, na Itália.

Hoje professora de saúde global na Universidade de Oxford, a brasileira já acumula mais de 25 anos de experiência com o desenvolvimento de imunizantes. Não à toa foi convidada a coordenar, no Brasil, os ensaios clínicos da vacina produzida pela instituição junto à farmacêutica AstraZeneca contra a Covid-19. E deu certo: a vacina não só é uma das quatro autorizadas no país, como também é produzida em solo brasileiro em parceria com a Fiocruz.

A trajetória de Clemmens no combate à pandemia rendeu o livro História de uma Vacina, de autoria da própria imunologista e publicado pela editora Intrínseca em outubro de 2021.

*Com supervisão e edição de Isabela Moreira.