Mulheres nas áreas STEM da USP e a busca pela equidade

Por Maria Arminda do Nascimento Arruda, coordenadora do Escritório USP Mulheres, Rodrigo Correia do Amaral, coordenador de pesquisas do Escritório USP Mulheres, Prislaine Krodi dos Santos, coordenadora de programas do Escritório USP Mulheres, e Luana Siqueira, coordenadora de comunicação do Escritório USP Mulheres

Em junho deste ano, aconteceu o segundo seminário Australia-Brazil Women’s Research Engineers Network (WREN), que teve como título Fostering success for women in Engineering: Striving for Gender Equity. O Escritório USP Mulheres atuou como parceiro e promotor do evento, que teve como palestrantes os diretores das escolas de engenharia e dirigentes de órgãos voltados às políticas de equidade, diversidade e inclusão da Universidade de Wollongong, na Austrália, e da Universidade de São Paulo.

Como representantes da USP, o encontro teve, além da minha participação como coordenadora do Escritório USP Mulheres, os diretores das nossas três escolas de Engenharia: Liedi Légi Bariani Bernucci, a primeira mulher diretora da Escola Politécnica; Silvio Silvério da Silva, diretor da Escola de Engenharia de Lorena; e Edson Cezar Wendland, diretor da Escola de Engenharia de São Carlos. Foi, portanto, um dia histórico em que os dirigentes dessas importantes escolas estiveram juntos discutindo e difundindo iniciativas e programas de acesso, permanência e progressão das mulheres na Universidade nas áreas de engenharia, considerando as barreiras enfrentadas na academia e na sociedade.

Na oportunidade, como coordenadora do Escritório USP Mulheres, apresentei as contribuições do órgão para a promoção da equidade na USP – entre elas, as nossas pesquisas e geração de dados, que permitem conhecer a realidade para, então, transformá-la. A área de pesquisas do USP Mulheres, em parceria com o Escritório de Gestão de Indicadores de Desempenho Acadêmico (Egida), tem feito estudos sobre a configuração da participação das mulheres na USP. No evento, trouxemos os números das mulheres nas áreas STEM – sigla em inglês para “Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática”. Cabe-me, pois, compartilhar aqui essas informações com toda a comunidade acadêmica, aproveitando que o Escritório USP Mulheres comemora, neste mês de agosto, cinco anos da sua criação formal e vem procurando avaliar trajetórias e planejar um futuro mais equânime em nossa Universidade.

O relatório produzido em 2020 pela ONU Mulheres, Las Mujeres En Ciencias, Tecnología, Ingeniería Y Matemáticas En América Latina Y El Caribe, traz como proposta expor as barreiras de gênero existentes hoje nas ciências e nas tecnologias, presentes em todas as fases do desenvolvimento, desde a tenra idade e de forma estrutural, na sociedade. A partir dessa exposição, mostra-se urgente a mitigação desses entraves, com especial atenção para um maior alcance de representatividade das meninas e mulheres nas áreas STEM.

STEM na USP

De acordo com os critérios do Times Higher Education, as unidades de ensino da USP consideradas integrantes das áreas STEM estão presentes em sete cidades. Ao todo, são 22 institutos, faculdades e escolas nesta categoria, sendo oito na área de Ciências da Vida; cinco em Engenharia e Tecnologia; oito em Ciências Físicas e um em Ciências da Computação, desmembradas nesse ranking a partir de 2014.

Na USP há 34 cursos de Graduação em Engenharia, envolvendo seis escolas, faculdades e institutos (Escola de Engenharia de Lorena – EEL, Escola de Engenharia de São Carlos – EESC, Escola Politécnica -EP, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – Esalq, Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos – FZEA e Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação – ICMC). A Pós-Graduação em Engenharia totaliza 24 programas, envolvendo sete escolas, faculdades e institutos (EEL, EESC, EP, Esalq, FZEA, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – FMRP e Instituto de Química de São Carlos – IQSC, os dois últimos em programas interunidades).

Distribuição do corpo docente por gênero

Ao analisarmos os dados da seção 2.16 do Anuário Estatístico da USP nos últimos vinte anos, observamos que a distribuição dos docentes por gênero na Universidade de São Paulo manteve-se cristalizada em um patamar no qual os homens constituem, em média, 60% dos professores contratados a cada ano, e as mulheres restringem-se a 40%. Quando observamos os docentes nas áreas STEM, esta diferença se amplia, com os homens ocupando 72% das posições e as mulheres, apenas 28%.

Os gráficos abaixo permitem ver como, em determinados anos, a desigualdade entre mulheres e homens na docência se acentuou. No Gráfico 1, destacamos os anos de 2016 e 2017 como anos especialmente desalentadores, nos quais a proporção de mulheres contratadas para a docência foi reduzida a 27% e 25%, respectivamente. No Gráfico 2, que registra as áreas STEM, os piores anos para as mulheres foram 2016 e 2018, quando a proporção de contratadas caiu para 18% e 19%, respectivamente. Esses dados nos permitem ver como as crises iniciadas anteriormente na Universidade repercutiram desigualmente entre homens e mulheres ao longo dos anos seguintes.

No que diz respeito à promoção à titularidade, as diferenças no conjunto da USP se agravam, com os homens ocupando 69% das posições de titularidade e as mulheres, apenas 31%. No Gráfico 3, merecem destaque os anos de 2002 e 2016 como os mais difíceis para as mulheres, quando somente 21% e 24%, respectivamente, conseguiram ascender para a posição de professoras titulares. Em 2004 as mulheres corresponderam a 40% das docentes promovidas, porcentual ainda baixo, mas que não se repetiu nos anos seguintes.

Ao ajustarmos o foco sobre os cursos considerados STEM, o fosso entre homens e mulheres se aprofunda ainda mais. Neste período, somente 18% das mulheres docentes dessas áreas progrediram para a posição de professoras titulares, ao passo que os homens concentraram 82% das oportunidades de promoção ao topo da carreira universitária.

Por sua vez, o Gráfico 4 demonstra que o maior porcentual de mulheres promovidas a professoras titulares em áreas STEM foi de 33%, registrado em 2014, ao que se seguiu um forte declínio. Desde então, os docentes homens dessas áreas correspondem a mais de 80% dos promovidos à condição de titulares, e as mulheres mantêm-se entre 16% e 17%.

Distribuição do corpo discente por gênero

De acordo com os mesmos dados do Anuário Estatístico da USP, o meio discente constitui um ambiente mais igualitário na representação de mulheres e homens se comparado com o corpo docente. Entre 2009 e 2019, as mulheres representaram 45% do total de estudantes de graduação e 52% dos estudantes de pós-graduação.

Esta informação, apesar de alvissareira, também nos revela como as mulheres investem no estudo como principal estratégia para a sua mobilidade social, objetivo que muitas vezes não se concretiza, ou se concretiza apenas parcialmente em comparação com os homens. Assim como a baixa representatividade feminina nas carreiras docentes da USP já comentada, as mulheres brasileiras representam somente 39% das posições gerenciais em empresas privadas, como registra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (2018) e outros estudos.

Os gráficos 5 e 6 abaixo demonstram a proximidade entre mulheres e homens nos cursos de graduação e pós-graduação na USP. Neste segundo caso, é possível observar um aumento progressivo na quantidade de estudantes nos cursos de pós-graduação da Universidade de São Paulo e, a partir de 2015, a movimentação dos estudantes homens, representados na cor amarela, para uma proporção praticamente idêntica à das estudantes mulheres, representadas na cor cinza.

Em relação à distribuição de estudantes mulheres e homens nos cursos STEM, convém destacar o aumento do número absoluto de mulheres nesta área, a partir de 2013 (Gráficos 7 e 8). Esta expansão se concentrou nas unidades de ensino e pesquisa agrupadas como Life Sciences, quais sejam: as escolas de Educação Física e Esporte dos campi de São Paulo e de Ribeirão Preto, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, a Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, o Instituto de Biociências, o Centro de Biologia Marinha e o Museu de Zoologia.

Por outro lado, nas unidades de Engineering & Technology, portanto, na Escola Politécnica, nas escolas de Engenharia de Lorena e de São Carlos, no Instituto de Energia e Ambiente, e no Centro de Energia Nuclear na Agricultura, observamos uma redução acentuada no número de vagas ocupadas por mulheres, tanto na graduação como na pós-graduação.

Apesar do aumento de mulheres nos cursos de graduação e pós-graduação das unidades STEM, os gráficos abaixo demonstram que o ingresso dos homens nesses cursos foi muito maior. No Gráfico 7 é possível observar que, em 2014, a quantidade de estudantes do sexo masculino nos cursos de graduação das unidades consideradas STEM foi ampliada em 71% em comparação a 2013, ao passo que as mulheres aumentaram somente 24% em comparação ao ano anterior. No Gráfico 8, os estudantes masculinos de pós-graduação em STEM aumentaram 67% no mesmo período, ao passo que a quantidade de mulheres foi ampliada somente em 20%.

Desta forma, por mais que o número absoluto de mulheres nos cursos STEM da Universidade de São Paulo tenha aumentado de 2013 para 2014, proporcionalmente, as mulheres tornaram-se ainda menos presentes nessas áreas em comparação com os homens, aumentando o fosso da desigualdade de gênero na formação de mão de obra voltada ao mercado e às carreiras científicas nesse segmento.

Um desafio global

Dados da ONU e da Unesco apontam que as mulheres representam menos de 30% dos pesquisadores no mundo todo e demonstram como ainda persistem as barreiras e a baixa representatividade para mulheres e meninas, sobretudo em áreas como ciências, tecnologia, engenharia e matemática.

Em se tratando de um problema global, a Universidade de São Paulo também precisa avançar em direção à igualdade entre homens e mulheres cientistas, reconhecendo as disparidades e a urgência de maiores esforços para construir um ambiente acadêmico mais inclusivo e de oportunidades igualitárias.

Em diversas universidades ao redor do mundo, bem como na iniciativa privada, há programas de estímulo para meninas e mulheres, especialmente nas áreas STEM. Na USP há iniciativas e projetos, tanto nas unidades da capital quanto do interior, que buscam reverter a disparidade de gênero em determinadas áreas do conhecimento, contribuindo para o maior acesso, a permanência e o avanço das mulheres nas áreas em que elas são sub-representadas. A interseccionalidade entre os diferentes marcadores sociais é condição que precisa ser urgentemente considerada na construção dessas práticas e de novas políticas universitárias nesse sentido.

É notório o aumento recente nas publicações, premiações, projetos e iniciativas que buscam dar visibilidade à atuação das mulheres nas ciências na USP. Além da já citada Rede WREN, fruto de uma parceria entre a USP e a Universidade de Wollongong (UOW), na Austrália, há muitas outras. Para citar apenas um último exemplo, em novembro de 2020, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e o Escritório USP Mulheres organizaram o 1° Encontro da Pós-Graduação da USP – Elas Fazem Ciência, destacando a participação das mulheres cientistas como líderes, como empreendedoras e como gestoras nas esferas pública e privada. Que os dados aqui compartilhados fomentem novos questionamentos e iniciativas nas unidades e comissões da USP.


(Artigo publicado originalmente no Jornal da USP, em 15/09/2021)

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