É comum ouvirmos que mulheres são frágeis, mais fracas, que certos esportes são “para homens” ou são muito “puxados” para elas, mas quando olhamos ao longo da história e analisamos um pouco mais profundamente esses discursos, podemos abrir um pouco a cabeça em relação à potência feminina e ao contexto dessa visão limitada.
Vale lembrar, já de início, de grandes guerreiras como Joana D’arc, as Amazonas, as guerreiras africanas de Eritreia e de tantas mulheres que pegaram em armas e foram para os conflitos nas revoluções, como as brigadistas da Guerra Civil Espanhola ou, recentemente, no Curdistão.
A mulher foi adquirindo e perdendo espaço no esporte de uma maneira nem sempre linear ao longo da história e entre os argumentos já utilizados para a exclusão feminina, a professora Kátia Rúbio cita, por exemplo, a ‘delicadeza’ dos nervos e a constituição física menos favorecida, o que levava o esporte praticado por mulheres parecer indecente, feio e impróprio para sua resistência.
A falta de direitos individuais e a total submissão da mulher, em alguns períodos da história, ao seu marido ou, quando solteira, pelos parentes homens também era determinante para sua absoluta exclusão das atividades esportivas e de lazer.
Esporte e relações de poder
Nos Jogos Olímpicos de 1900, no qual as mulheres foram pela primeira vez formalmente aceitas a participar, as únicas competições permitidas eram o golfe e o tênis, modalidades consideradas belas esteticamente e que não ofereciam contato físico entre as participantes. A noção de força e resistência sempre esteve atrelada ao masculino e, de acordo com a professora Kátia Rúbio, isso representava uma clara afirmação do poder masculino:
Baseado numa visão vitoriana de papéis sociais femininos e masculinos, o Barão Pierre de Coubertin, idealizador dos Jogos Olímpicos Modernos, excluiu a mulher de sua participação, numa demonstração do quanto as questões de gênero camuflaram as relações de poder e determinaram a mobilização feminina para a conquista de direitos (Borish, 1996; MacAloon, 1981). Esse procedimento era uma demonstração de que o Barão de Coubertin via os jogos como um fórum apropriado para representar a esfera competitiva masculina, onde se projetou no esporte questões relacionadas a política como força, virilidade, coragem, moralidade e masculinidade (Park, 1987; Birrel & Theberge, 1994).
Assim, uma das formas dos homens preservarem o poder em seu domínio foi por meio da disputa de jogos e pelas celebrações públicas de suas proezas físicas (Borish, 1996; Cahn, 1994).
Nessa mesma linha, em referência ao livro “O Mito da Fragilidade” de Collete Dowling, Cely Couto, do blog Café Feminista, afirma que com o desenvolvimento das máquinas proporcionados pela Revolução Industrial, a força se tornou desnecessária, anulando o principal triunfo da masculinidade e afundando o homem em uma crise de identidade. Assim, para compensar o sentimento de inferioridade masculino, as mulheres foram obrigadas a reduzir seu desenvolvimento físico:
Os esportes passaram a ser considerados “masculinizadores” e as mulheres foram condenadas ao sedentarismo, recebendo aulas de crochê e de etiqueta enquanto os homens se exercitavam e ganhavam saúde e vigor físico. O discurso médico passou a condenar a atividade física feminina, chegando ao ponto de dizer que prejudicava a reprodução e que exercícios podiam “deslocar o útero”. Nos consultórios, mulheres eram desencorajadas a fazer qualquer esforço físico, sob ameaça de que não poderiam cumprir adequadamente seu papel de esposa e mãe. (Couto, 2016)
Cely Couto afirma que isso representava que mulheres passivas e frágeis eram muito mais fáceis de ser controladas, mantendo a dominação masculina sobre seus corpos e vidas. Ela também ressalta que essa lógica era aplicada apenas às mulheres brancas, em sua maioria, já que as mulheres negras sempre foram consideradas “mais fortes” e exploradas em trabalhos braçais.
De acordo com Sueli Carneiro, do Instituto Geledés, as mulheres negras nunca foram tratadas como frágeis. Elas sempre fizeram parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas de “frágeis sinhazinhas”, escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas etc. Realidade que, infelizmente, ainda perdura no Brasil, país no qual a maior parte das mulheres ocupadas com trabalho doméstico, por exemplo, são negras.
Contexto atual brasileiro
Para Silvana Goellner, professora da Escola de Educação Física da UFRGS, ainda hoje são recorrentes algumas representações discursivas que fazem a apologia da beleza e da feminilidade como algo a ser preservado, em especial, naquelas modalidades esportivas consideradas como violentas ou prejudiciais a uma suposta natureza feminina.
Nos primeiros anos do século XX no Brasil, de acordo com a autora, mesmo com certa relativização de determinados preconceitos, havia um temor à desmoralização feminina frente à exibição e espetacularização do corpo em alguns eventos esportivos dos quais elas podiam participar. Esse temor se traduzia num fantasma a rondar as famílias, em especial, as da elite.
Para ela, a habilidade esportiva dificilmente se compatibiliza com a subordinação feminina tradicional da sociedade patriarcal, pois o esporte oferece a possibilidade de tornar igualitárias as relações entre os sexos:
Ao minimizar as diferenças socialmente construídas entre os sexos, o esporte revelava o caráter tênue das bases biológicas de tais diferenças; portanto, constitui uma ameaça séria ao mito da fragilidade feminina. (LENKKYJ citado por ADELMAN, 2003, p. 448).
Legislação brasileira
Abordando os marcos que acabaram regulamentando a participação ou não das mulheres nos esportes no Brasil, Silvana cita em seu texto determinado momento em 1941 no qual o General Newton Cavalcanti apresentou ao Conselho Nacional de Desportos brasileiro subsídios para a elaboração de um documento que oficializou a interdição das mulheres a algumas modalidades esportivas, tais como as lutas, o boxe, o salto com vara, o salto triplo, o decatlo e o pentatlo. Já em 1965, o Conselho Nacional de Desportos aprovou a Deliberação no. 7 que, em seu artigo segundo, registrava não ser permitida a prática feminina de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, pólo aquático, rugby , halterofilismo e baseball . Esportes considerados como violentos deveriam passar longe das experiências de sociabilização das meninas e moças.
Contudo, algo interessante que ela traz é que, mesmo sendo oficial o discurso da interdição da participação das mulheres em esportes considerados ofensivos para a sua natureza , as práticas esportivas eram experienciadas por muitas mulheres que, indiferentes às convenções morais e sociais daquele tempo, aderiram a sua prática independente do discurso hegemônico da
proibição. O futebol era um desses esportes praticados por elas na época. Em 1921 há registro de um jogo realizado na cidade de São Paulo entre senhoritas tremembenses contra senhoritas
cantareinenses (MOREL & SALLES, 2005, p.262).
A importância de persistir
Tudo isso para falarmos que são muitos os motivos e circunstâncias que levam, hoje, as mulheres, tanto brancas quanto negras, ainda não estarem tão presentes nas quadras, campos, piscinas ou qualquer outro espaço esportivo no nosso país.
De acordo com dados de uma pesquisa feita pela ONG Plan International em 2017, 49% das meninas que gostam de esportes acabam desistindo de praticar ao longo do caminho, número 6 vezes maior do que a quantidade de meninos que abandonam atividades físicas. Dentre os motivos podemos enumerar a falta de incentivo ou oportunidades, o assédio constante, o medo da “masculinização” pela imposição à mulher desde pequena de uma hiper valorização estética e também a necessidade de cuidar dos irmãos ou ajudar em casa.
Muitas meninas/mulheres perdem a oportunidade de praticar atividades que elas gostam, que lhes dão prazer, que auxiliam em sua disposição e resistência e que podem muitas vezes proporcionar um espaço de coletividade e união muito potente.
De acordo com algumas jogadoras do time de futsal da FFLCH-USP, por exemplo, o esporte ajudou “100%”
na integração com a universidade. Uma das jogadoras falou que:
Tá(sic) no nome: um time, uma equipe. A gente é isso dentro da quadra e a gente é isso fora da quadra. Às vezes até mais fora do que dentro
O esporte pode nos ajudar a conhecer mais nossos corpos, nossas potencialidades e limites, certas habilidades que desconhecemos e também nos leva a enxergar que podemos nos superar, ser mais fortes e alcançar objetivos antes inimagináveis.
Vale destacar que a medida que as mulheres foram tendo acesso a treinamentos específicos, de acordo com a professora Kátia Rúbio, suas performances começaram a superar marcas masculinas de 50 anos atrás.
Assim, escrevemos esse texto no intuito de dizer para as mulheres da universidade não desistirem, tentarem experimentar mesmo que nunca tenham praticado, se apropriarem dos espaços esportivos da universidade e se divertirem com as modalidades possíveis.