Conversamos com as organizadoras da Copa Joga que nem Mina que nos contaram um pouco sobre a experiência do campeonato que já reúne mais de 150 mulheres e colabora pra dar visibilidade para o futebol feminino na USP
Texto: Letícia Pereira de Souza
Revisão: Prislaine Santos e Daniela Araújo
Em meados de outubro, acontece na USP a Copa Joga que nem Mina, campeonato organizado por alunas desde 2015, possibilitando que as mulheres que se interessam por futsal possam se divertir, trocar experiências e interagir com outras jogadoras. A proposta do campeonato é clara: integração por meio do esporte. E tem conquistado muitas jogadoras animadas com essa ideia.
Mulheres que não tem vínculo com a USP também podem participar. As inscrições podem ser feitas em grupo ou individualmente, o intuito é que jogadoras de diferentes lugares interajam entre si. O campeonato acontece durante um fim de semana com fase de grupo e mata-mata.
Jacqueline Alberti, Isabela Ciabattari e Bruna Maffei fazem parte da equipe de organização e nos contaram sobre suas experiências com o esporte, antes mesmo da Copa Joga que nem Mina.
Estudantes do curso de Letras da FFLCH e integrantes do time de futsal da unidade, disseram que, apesar de sempre terem gostado de futebol, só começaram a jogar essa modalidade esportiva quando entraram na faculdade, pois era difícil encontrar espaços quando eram mais jovens. Segundo Jacqueline, os professores de educação física do Ensino Fundamental não aceitavam seu pedido de jogar futebol com os meninos. E determinavam que ela jogaria vôlei, em separado, com as meninas.
O futebol, por ser um esporte de contato e considerado um tanto agressivo, foi tido como um esporte masculino, chegando a ser proibido para as mulheres no Brasil entre os anos de 1941 e 1983 (decreto-lei 3.199 de 14 de abril de 1941), sob a justificativa de ser inadequado à “natureza feminina”. Contudo, de acordo com a historiadora Giovana Capucim e Silva, as mulheres nunca pararam de jogar futebol. Elas continuaram ocupando os campos nas várzeas ou em eventos de caridade e subvertendo a ideia de que o futebol era “só para homens”. Mostraram que também são capazes de jogar futebol, entender do esporte e se divertir com isso.
Na USP, segundo as organizadoras da Copa, o futsal feminino é bastante presente, com vários times. A maioria das mulheres que jogam nos times da USP não jogava futsal anteriormente.
Em relação à Copa, Isabela contou que a necessidade de verba para financiar o time e a vontade de ter um espaço para “jogar bola” só entre mulheres foram as principais motivações para que começassem a se organizar. As competições universitárias para os times femininos existem dentro da USP e elas também participam, mas, de acordo com ela, não havia nenhum momento no qual poderiam se juntar só para se divertirem jogando.
Com forte divulgação, houve grande adesão ao campeonato desde a primeira edição, contando com aproximadamente 150 mulheres que formaram 19 times. As organizadoras ficaram surpresas com a quantidade de mulheres sem vínculo com a USP interessadas na Copa, o que pode ser um reflexo dos poucos campeonatos femininos na cidade de São Paulo.
As organizadoras também fazem questão de jogar, mesmo tendo que administrar o campeonato, apitar algumas partidas e se dividir com os outros afazeres. Elas também querem se divertir com o esporte que amam. Todas as pessoas que fazem parte do campeonato são mulheres, a única exceção é o técnico do time da FFLCH que auxilia na formação dos grupos e tabelas.
Os impedimentos dentro e fora de campo
Mesmo com o sucesso que tem sido a Copa, as estudantes já enfrentaram alguns problemas nesse percurso. Ano passado, por exemplo, houve uma chuva no segundo dia do campeonato e como não podiam usar nenhuma quadra coberta, a final teve que ser adiada por um mês. Enquanto time, elas têm que lidar com o desconhecimento das novas alunas que chegam na universidade e tendem a se interessar pelos times de vôlei e handebol e muitas só conhecem a existência do time de futebol feminino depois de meses na faculdade.
É comum que as novas jogadoras cheguem no time sem nunca terem jogado futebol e demonstram muito medo de errar. As veteranas da equipe sempre tentam fazer com que o ambiente seja confortável para todas as interessadas em fazer parte do time, para elas não há pré-requisitos, basta querer jogar bola.
A parte mais difícil acaba sendo a falta de incentivo e, algumas vezes, de respeito ao futebol feminino e às jogadoras. Elas contaram que é comum serem deslegitimadas e desrespeitadas até dentro da própria USP. Já vivenciaram alguns conflitos com homens no CEPEUSP e em campeonatos da Universidade. Além de situações difíceis nos jogos que foram assistir em estádio. Isabela conta que são frequentes os comentários ofensivos e desrespeitosos direcionados às jogadoras, feitos até por narradores de futebol. Já os elogios hiperssexualizam os corpos das mulheres e desmerecem suas habilidades em campo. São muitos assédios durante os jogos, o que é desestabilizador para quem está no começo. Sem saber o que fazer, ficam paralisadas frente à essa violência.
Não basta querer jogar, uma mulher que gosta de futebol tem de ser forte e persistente. Bruna afirma que é necessário fazer com que você seja respeitada como mulher e como jogadora, árbitra ou bandeirinha. Os torcedores habitualmente tendem a não respeitar os árbitros dos jogos, o que se agrava quando é uma mulher.
Contudo, elas acreditam que essa realidade está mudando. O crescimento de espaços nos quais podem denunciar os casos de assédio tem sido muito reconfortante.
Querer jogar futebol já é vencer uma grande barreira para as mulheres. Emocionadas, as estudantes responderam que o esporte mudou radicalmente a vida delas. Isabela comentou como a evolução dentro do esporte é motivadora, ao aprender com as outras mulheres, percebia que podia crescer. O que acabou influenciando outros aspectos da vida. Para Bruna, o esporte ajudou “100%” na integração com a universidade. Como seu curso tem grande quantidade de pessoas e não há turmas fixas, fica difícil estabelecer uma relação mais próxima com os colegas. Após entrar para o time, suas companheiras de jogo se tornaram suas grandes amigas e não só em campo. Talvez ela nem estivesse ainda no curso se não fosse pelas amizades construídas no futebol. Essa relação “tá(sic) no nome: um time, uma equipe. A gente é isso dentro da quadra e a gente é isso fora da quadra. Às vezes até mais fora do que dentro”, comenta.
O time se torna um espaço de acolhimento. A dinâmica das relações que se constroem não se limita ao futebol, atravessa a esfera universitária como um todo e extrapola para a vida das estudantes.
Reconhecendo o esporte como uma ferramenta importante de promoção de bem-estar e integração para as estudantes na Universidade, as alunas relatam a importância de mais campanhas incentivando as mulheres a praticar quaisquer esportes. Elas mesmas investem muito em divulgação do time no começo do ano, mas acham que é necessário maior investimento da Universidade.
Quanto mais mulheres jogarem futebol, maior é a representatividade que alcançam, como comenta Isabella: “é preciso que as meninas ocupem os espaços, pois a presença constante delas nos ambientes esportivos faz com que as coisas se tornem mais naturais, que os espaços que ainda são tidos como “masculinos” sejam considerado também das mulheres”.