O Programa Mãe e Pai Pesquisadores, criado pelo Escritório USP Mulheres e pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação, já contemplou 14 mães e 1 pai pesquisadores da pós-graduação
Por Luana Siqueira e Rodrigo Correia do Amaral
Como parte dos esforços de mitigar os impactos da pandemia de covid-19 na Universidade de São Paulo (USP), o Escritório USP Mulheres e a Pró-Reitoria de Pós-Graduação criaram o Programa Mãe e Pai Pesquisadores, destinado aos bolsistas dos programas de pós-graduação em licença maternidade, paternidade e adoção. Com a iniciativa, a USP tornou-se a primeira instituição de ensino e pesquisa do país em que as estudantes mães recebem seis meses de licença-maternidade remunerada e os estudantes pais, um mês de licença-paternidade remunerada.
Instituído pela Resolução USP-8020, de setembro de 2020, o Programa Mãe e Pai Pesquisadores suplementa as bolsas concedidas pela CAPES, pelo CNPq e pela FAPESP dos pesquisadores que se tornaram mães e pais durante a pandemia, nos anos de 2020 e 2021. O valor das bolsas é o mesmo das bolsas concedidas pelas agências de fomento e é pago ao final do período de financiamento, previamente ao depósito da tese ou dissertação.
O Programa Mãe e Pai Pesquisadores concedeu 15 bolsas até o momento. Entre os contemplados, estão onze estudantes mulheres de doutorado, três estudantes mulheres de mestrado e um aluno homem de doutorado, distribuídos em quatorze das 42 unidades de ensino e pesquisa: EEL, FFLCH, FFLCRP, FMRP, FZEA, FMVZ, FSP, IAG, IAU, IB, IF, IPEN e IO. O total de recursos aportados é de R$ 70.957,80, conforme a tabela e o gráfico abaixo.
Com a mesmo objetivo de apoio à maternidade, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação lançou em julho deste ano uma chamada especial do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE) direcionada às alunas da pós-graduação que fossem mães, cuidadoras ou gestantes durante a pandemia, e que não possuíssem bolsa de pesquisa. Na iniciativa, também denominada Mães Pesquisadoras, a PRPG selecionou 100 candidatas de diferentes unidades para o recebimento de bolsas no valor unitário de R$ 685,90 pelo período de cinco meses. Cobrindo um público mais amplo de não-bolsistas, a ação destinou R$ 342,9 mil para a mitigação dos desafios que as mães estudantes de pós-graduação têm enfrentado durante o isolamento social.
Pós-graduação e parentalidade
A chegada de um filho muda completamente a dinâmica da família e impõe muitos desafios aos pais. Durante a pandemia de covid-19, sem poder contar com o suporte de familiares e amigos, e com o fechamento de creches, exercer a maternidade e a paternidade tornou-se ainda mais difícil.
As dificuldades, porém, se dão de maneiras distintas entre mulheres e homens. A rotina dedicada aos cuidados domésticos e das crianças impacta sobretudo a vida das mulheres, pois são elas as principais responsáveis por tais atividades no interior dos diversos arranjos familiares. Na universidade, essas desigualdades se refletem na produtividade científica das mulheres e, consequentemente, nas suas carreiras, que acabam sendo mais afetadas do que as dos homens.
Esse descompasso entre os gêneros na USP já vinha sendo monitorado pelo Escritório USP Mulheres, mesmo antes da pandemia, como parte dos esforços de identificar e combater as desigualdades de gênero na comunidade universitária. O Escritório USP Mulheres tem buscado privilegiar a obtenção de dados, quantitativos e qualitativos, sobre a situação das mulheres da USP, destinados ao subsídio de debates na comunidade e à construção de proposições que mudem estruturalmente as condições de gênero na Universidade.
Para tanto, com o apoio do Escritório de Gestão de Indicadores de Desempenho Acadêmico (EGIDA), a área de Pesquisas do Escritório USP Mulheres mapeou o perfil das beneficiárias e beneficiários de licenças parentais na Universidade. Os dados levantados demonstraram que, num período de dez anos, entre 2009 e 2019, as maiores usuárias de licença-maternidade são as estudantes da pós-graduação, seguidas pelas servidoras técnico-administrativas e, por fim, pelas servidoras docentes.
Ao explorar mais esse cenário das mulheres da USP que se tornaram mães, o Escritório identificou um desencontro entre os períodos de licença concedidos pela USP e pelas agências de fomento. As servidoras da Universidade, tanto docentes quanto não-docentes, usufruem seis meses de licença remunerada. Já as estudantes de pós-graduação que são bolsistas recebem quatro meses de licença das agências de fomento, embora o artigo 47 do Regimento de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo (Resolução nº 7.493, de 27 de março de 2018) estabeleça a possibilidade de alunos usufruírem de licença-maternidade pelo prazo de até seis meses e paternidade por vinte dias. Dessa forma, as pesquisadoras que desejassem usufruir um período maior, teriam de fazê-lo sem remuneração.
Primeiras mães contempladas
Entre as primeiras contempladas pelo Programa Mãe e Pai Pesquisadores, estão as pesquisadoras Carolina Costa de Araújo e Lenise Freitas Mueller da Silveira, ambas alunas de doutorado e mães de primeira viagem. Elas já receberam a extensão do período da bolsa e, numa conversa para avaliação do projeto, contaram ao Escritório USP Mulheres e à Pró-Reitoria de Pós-Graduação sobre suas trajetórias recentes como pesquisadoras e mães.
A pesquisadora Carolina Costa de Araújo, integrante do programa de pós-graduação em Oceanografia e residente na capital, teve seu primeiro filho meses antes do início da pandemia. Quando terminaram os quatro meses de licença-maternidade concedidos pela agência de fomento, Carolina já não podia voltar ao laboratório para concluir sua pesquisa em virtude do isolamento social. “Foi muito difícil. Minha licença tinha acabado, eu me organizei para voltar para a USP e tudo fechou”, conta.
Em casa, acumulando as atividades do doutorado e os cuidados com o bebê, Carolina precisou pedir prorrogação do prazo de sua pesquisa por mais um ano. Orientada pela secretária do seu programa de pós-graduação, Carolina se inscreveu também no Programa Mãe e Pai Pesquisadores, para obter a concessão de mais dois meses de licença-maternidade remunerada. Além de ter a extensão do período da bolsa, Carolina participou do PAE (Programa de Aperfeiçoamento de Ensino) – Mães Pesquisadoras, uma edição especial voltada às mães, realizado pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação, para priorizar esse público na realização de estágios destinados aos alunos de pós-graduação.
A pesquisadora do Programa de Zootecnia da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos – FZEA/USP, do campus da USP em Pirassununga, Lenise tornou-se mãe no meio da pandemia de covid-19, em 2020. Para manter-se em segurança, ela interrompeu os trabalhos de campo e contou com a ajuda de colegas. Lenise avalia que o trabalho de pesquisa, realizado em casa, a partir de determinado momento não foi produtivo pelas questões trazidas pela pandemia, pela gestação e pelos cuidados com o bebê.
Assim como a colega da Oceanografia, ela solicitou prorrogação de seis meses para a conclusão de sua pesquisa. Para se inscrever no Programa Mãe e Pai Pesquisadores, ela contou com a ajuda do coordenador do seu programa de pós-graduação “Eu consegui me inscrever, foi super fácil. Caiu como uma luva, foi super importante porque tinha acabado a minha bolsa e eu estava com a bebê.” Lenise defendeu a tese em julho.
Embora reconheçam que a maternidade é um tema difícil dentro dos programas de pós-graduação, com pouca informação e conversa sobre os direitos de licença, ambas as pesquisadoras relatam que tiveram apoio e compreensão por parte de suas orientadoras, também mulheres.
Avaliação e futuro do Programa
O Programa Mãe e Pai Pesquisadores, instituído de maneira emergencial em virtude da pandemia, está em fase de avaliação pelo Escritório USP Mulheres e pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação, para que se torne uma política permanente na USP. A expectativa é que também o programa PAE especial seja mantido, como parte de um conjunto de medidas para a construção de uma Universidade mais justa, equânime e acolhedora.
O Escritório USP Mulheres acredita que a iniciativa contribui para uma mudança cultural necessária com relação ao tema da parentalidade na academia. Ao dar reconhecimento à maternidade – e, também, à paternidade – nos programas de pós-graduação, contribui-se com a construção de um ambiente de mais equidade e respeito com as mulheres.