Na última quarta-feira, 05 de dezembro, o Escritório USP Mulheres encerrou o Ciclo de Debates 16 dias de ativismo para o fim da violência contra as mulheres. Como parte da mobilização que envolveu mais de 160 países em todo o mundo, ao longo de três semanas, foram organizadas rodas de conversa que colocaram em pauta as construções das sexualidades; os reais impedimentos para a participação das mulheres nos esportes; e a relação das mulheres com a cidade.
A última mesa redonda aconteceu na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP com o título “Mulheres e a Cidade: ocupação e segurança nos espaços públicos”. Esta mesa reuniu as pesquisadoras em mobilidade urbana Haydée Svab (IME-USP) e Marina Harkot (FAU-USP), a diretora do Documentário Sob Constante Ameaça e repórter da Agência Pública, Andrea Dip, e o representante da Superintendência de Prevenção e Proteção Universitária da USP, Alexandre da Silva.
Na conversa, foram debatidas as relações desiguais de gênero que marcam a ocupação das grandes cidades, evidenciando que a experiência das mulheres é perpassada por medo. Esta realidade é retratada no documentário Sob Constante Ameaça, exibido no início do evento. O filme acompanha a caminhada de algumas mulheres por São Paulo e revela como o medo da violência de gênero influencia a forma de ocupar a cidade, levando-as a evitarem horários e trajetos, e a pensarem até mesmo no que vão vestir, enquanto essas não são preocupações masculinas. Coproduzido pela Agência Pública e pela SPCine, o curta-metragem é dirigido pela repórter Andrea Dip e pelo artista plástico Guilherme Peters. Sob uma perspectiva interseccional, os diretores entrevistaram mais de 20 mulheres de diversas regiões de São Paulo. Essas entrevistas se transformaram em uma única narrativa que aborda a violência de gênero sofrida nas ruas sob diferentes recortes e acompanha as imagens das mulheres caminhando por ruas escuras, passarelas e becos da cidade.
Além da questão da segurança, a mobilidade e uso dos transportes públicos foram pontos destacados pelas palestrantes Marina e Haydée, que demonstraram através de suas pesquisas que os padrões de deslocamento são muito diferentes para homens e mulheres. A malha de transporte público, por exemplo, atende com mais frequência aos trajetos que se dão da casa para o trabalho, percurso mais comum para os homens. No caso das mulheres, o deslocamento é recortado por múltiplas paradas, que têm como função exercer tarefas típicas do trabalho de cuidado/trabalho reprodutivo, atribuídas majoritariamente ao gênero feminino. Para Haydée, pensar uma ocupação inclusiva das cidades precisa considerar uma política integrada, que considere as diferenças e que inclua o trabalho reprodutivo como um aspecto importante não só da vida das mulheres, mas da sociedade como um todo.
De formas diferentes, essas desigualdades de gênero tem impacto sobre outros aspectos da vida das mulheres, como a participação nos esportes, tema do segundo encontro que aconteceu no dia 27 de novembro no CEPE-USP. Seja enquanto atividade de lazer ou atuação profissional, ainda existem tabus e impedimentos para a participação das mulheres em modalidades esportivas consideradas masculinas. A professora do Escola de Educação Física e Esporte da USP, Kátia Rubio, abordou estas dificuldades da perspectiva dos esportes olímpicos e mencionou como as desigualdades são muitas vezes invisíveis para as próprias mulheres.
A pesquisadora e historiadora, Giovana Capucim, Membro do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre o Futebol (GIEF), trouxe uma perspectiva história sobre as mulheres no futebol e a lei que as impediu de competirem na modalidade durante 40 anos. Mesmo de forma “clandestina”, ela afirma que as mulheres nunca deixaram de jogar mesmo com a proibição, mas que isso traz repercussões até hoje para o futebol feminino que recebe bem menos apoio e investimento que os times e campeonatos masculinos. As organizadoras da Copa Joga que nem Mina sentem essas dificuldades na pele e contaram sobre a experiência de organizar um campeonato amador que integra alunas da USP e mulheres da comunidade que se interessam pelo futebol, mas têm poucas oportunidades de jogar. O que elas observam é que a cada ano mais mulheres têm se interessado em participar da Copa e o esporte ganha mais visibilidade dentro e fora da universidade.
A capoeira, que além de prática esportiva é uma expressão cultural muito importante no Brasil, também é um espaço onde a presença das mulheres continua a ser alvo de preconceitos e disputas. As mulheres da capoeira do CEPE-USP e do Projete Liberdade contaram seus próprios desafios e conquistase realizaram uma vivência com todas as pessoas presentes, que puderam experimentar a roda de capoeira .
Seja nos centros urbanos, seja nos esportes, essas desigualdades têm origem nos estereótipos que se criam sobre o que é ser homem e o que é ser mulher. Para refletir sobre as construções das sexualidades e os efeitos disso sobre os relacionamentos e a vida cotidiana como um todo, no dia 22 de novembro, foi realizadoum debate no Instituto de Matemática e Estatística da USP.
Com o título “Construções das sexualidades e impactos interseccionais”, o debate contou com a participação da psicóloga Elânia Frascisca, do Coletivo Roda Terapêutica das Pretas,e do psicólogo Tales Mistura, coordenador do Grupo Reflexivo de Homens do Coletivo Feminista Saúde e Sexualidade, participaram nesta primeira mesa. Elânia abordou o desenvolvimento da autoestima e sexualidade em meninas e adolescentes negras, apontando para as intersecções entre gênero e raça e como o racismo estrutural presente no Brasil influencia a autoimagem que essas jovens constroem de si mesmas, colocando-as muitas vezes em lugar de vulnerabilidade. Tales Mistura, por sua vez, contou do trabalho que desenvolve com homens agressores e como a construção de uma ideia de virilidade e do homem ideal ocasiona masculinidades distorcidas, em que os homens não lidam com os próprios sentimentos e incertezas e como isso pode repercutirnos casos de violência doméstica.
O Escritório USP Mulheres buscou com esse ciclo de conversas fomentar uma visão ampliada acerca do enfrentamento da violência baseada em gênero. Em cada um dos encontros também foram apresentados dados da Pesquisa Interações na USP, que investigou a percepção dos alunos a respeito da convivência na comunidade universitária. O objetivo destas ações é impulsionar políticas internas para tornar a universidade um espaço mais seguro e igualitário.