USP Mulheres e Pró-reitoria de Pós-graduação lançam complementação de bolsas de estudos para mães e pais pesquisadores

A iniciativa é destinada aos bolsistas dos Programas de Pós-graduação em licença maternidade, paternidade e adoção durante a pandemia de Covid-19

Por Rodrigo Correia do Amaral


Cartaz de divulgação do programa
(Arte: Gabriela Marques, Luana Siqueira e Natália Calixto / USP Mulheres)

A pandemia de Covid-19 alterou a dinâmica de toda a comunidade universitária, impactando a vida familiar e doméstica de alunos, docentes e funcionários. A situação é especialmente difícil para aqueles que, durante a pandemia, tornaram-se mães e pais. Entre as medidas implementadas pela Universidade de São Paulo (USP) em resposta às dificuldades advindas da crise sanitária, está a Resolução USP-8020, publicada no último 25/09/2020, que institui a suplementação emergencial de bolsas de estudos concedidas pelas agências de fomento para bolsistas dos Programas de Pós-Graduação em caso de prorrogação do prazo de vigência em razão de licença maternidade, paternidade e adoção. 

A condição das mães e dos pais pesquisadores se agravou no período de isolamento social, mas reflete um descompasso anterior entre mulheres e homens, sobre o qual o Escritório USP Mulheres já havia se debruçado, como parte do esforço de identificar e combater desigualdades de gênero na comunidade universitária – este tem sido o foco da gestão de sua coordenadora, professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, desde que assumiu em outubro de 2019. Com o apoio do Escritório de Gestão de Indicadores de Desempenho Acadêmico (EGIDA), a área de Pesquisas do Escritório USP Mulheres mapeou o perfil das beneficiárias e beneficiários de licenças parentais na Universidade. Os dados levantados demonstraram que, entre 2009 e 2019, as maiores usuárias de licença-maternidade são as estudantes da pós-graduação, seguidas das servidoras técnico-administrativos. A partir deste cenário, o Escritório identificou um descompasso entre o período concedido pela USP, de seis meses, e o período remunerado pelas agências de fomento às estudantes da pós-graduação, de quatro meses. 

Ao conhecer essa realidade, a Pró-Reitoria de Pós-graduação (PRPG/ USP) elaborou como resposta um programa de complementação para os dois meses restantes às bolsistas de mestrado, doutorado e doutorado direto que se encontrem em licença-maternidade durante a pandemia de Covid-19. Da mesma forma, a PRPG/ USP decidiu complementar em um mês o valor da bolsa aos alunos da pós-graduação que requisitarem a licença-paternidade junto à USP. No segundo caso, o propósito é estimular os alunos que são pais a se beneficiarem da licença, retirando-os da invisibilidade na qual se encontram hoje. 

A PRPG e o Escritório USP Mulheres acompanharão o público atendido pela iniciativa, promovendo discussões e formações sobre os desafios da parentalidade e a vida acadêmica, para poder identificar pontos críticos para a promoção de mudanças estruturais e culturais voltadas à igualdade de gênero. 

A seguir, comentamos o estudo prévio, promovido pelo Escritório USP Mulheres, que deu origem à Resolução USP-8020.

Conhecer para transformar

A área de Pesquisas do Escritório USP Mulheres tem feito um esforço de identificação das diversas características da desigualdade de gênero entre as três categorias da Universidade, discentes, docentes e funcionários técnico-administrativos. Para o levantamento referente às licenças solicitadas por mães e pais, em colaboração com o EGIDA, foi construída uma série histórica com as solicitações de “licença-gestante”, “licença-maternidade USP”, “prorrogação de licença-maternidade judicial”, “licença-paternidade”, “licença-paternidade AC”, “licença-paternidade Judicial”, “licença-adoção” e “licença-adoção USP” ocorridas entre 2009 e 2019 por parte de docentes (“Prof. contratado”, “Prof. Ens. Superior”, “Prof. Doutor” e “Prof. Titular”), do quadro técnico da Universidade (“Básico”, “Técnico” e “Superior”), e de estudantes de pós-graduação (“Mestrado” e “Doutorado”), do sexo masculino (M) ou feminino (F).

O levantamento registrou 3.664 funcionários e 2.158 alunos de pós-graduação que usaram algum desses benefícios na última década. Entre as docentes mulheres, o levantamento registrou somente 15 casos de usufruto de licença em todo o período, sendo 9 delas concedidas para licença-adoção (0,25%) e 6 para licença-maternidade (0,16%). Entre os docentes homens, a proporção eleva-se, com o registro de 203 casos de licença-paternidade usufruída (5,54%) e 1 caso de licença-adoção. Entre os quadros técnico-administrativos da USP, 1.604 servidoras (43,78%) usufruíram alguma modalidade de licença-maternidade ao longo da década observada, e 26 delas (0,71%) de licença-adoção. Entre os homens do quadro técnico-administrativo, finalmente, 1.804 servidores (49,2%) usufruíram de alguma forma de licença-paternidade, e 4 deles (0,11%) de licença-adoção.

Licenças parentais na pós-graduação

A explicação para a baixa utilização de licenças parentais por parte dos docentes, e especialmente pelas professoras mulheres, possui razões que devem ser debatidas. De forma preliminar, é plausível considerar que a trajetória profissional para tornar-se docente na USP perfaz etapas anteriores que, frequentemente, requerem anos de dedicação (graduação, mestrado, doutorado, ocasionalmente pós-doutorado e primeiras experiências docentes em outras instituiçẽs de ensino superior). Com isso, a maternidade e a paternidade tendem a realizar-se com maior frequência ao longo dessa jornada e, com menor frequência, após a conquista de uma posição como docente na USP.

Tal dinâmica direciona o olhar para essas etapas prévias, como os cursos de mestrado e doutorado. Com efeito, dos 2.158 casos de licenças levantados pelo EGIDA nos cursos de pós-graduação, 98,7% são de estudantes do sexo feminino. As estudantes de doutorado (DO) são as maiores requerentes de licenças (51,2% sobre o total), sendo a maioria de licenças-maternidade (47%), seguida de licença-gestante (4%). As alunas de mestrado (ME) figuram em seguida (37% sobre o total), repetindo a prevalência das licenças-maternidade (34%) sobre as licenças-gestante (3%). Por fim, as alunas de doutorado direto (DD) completam o quadro (10,6% sobre o total), também usufruindo na sua maioria de licenças-maternidade (10%) e em menor quantidade de licença-gestante (1%). A licença por adoção foi utilizada por uma única estudante de doutorado. Entre os homens, é praticamente inexistente o usufruto de licenças-paternidade, ou de adoção, sendo registrados 20 casos entre os estudantes de doutorado (0,9% sobre o total) e 7 entre alunos de mestrado (0,3%). Esses dados apresentam uma realidade na qual as mulheres que desejam avançar nas carreiras científicas e do magistério superior precisam combinar a experiência da maternidade com o período de formação.

Os dados também permitem concluir que a inexistência de uma rede que cubra igualmente os homens da pós-graduação – como ocorre com os quadros técnicos da Universidade – remete esses estudantes à invisibilidade, deixando a impressão equivocada de que esses não estão tornando-se pais durante a sua formação superior.

Desencontros entre a USP e as agências de fomento

A Universidade de São Paulo, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e as agências de fomento federais (CNPq e CAPES) adotaram medidas nos últimos anos para concessão de licenças parentais. Entretanto, o fizeram cada um à sua maneira, produzindo desencontros que impactam o trabalho de pesquisa dos beneficiários. A USP, no Artigo 46 da Resolução nº 7.493/2018, passou a conceder seis meses (180 dias) de licença às alunas que se tornam mães e 20 dias aos alunos pais, ambos por nascimento ou adoção. A FAPESP, através da sua Portaria PR 05/2019, concede quatro meses (120 dias) de licença-maternidade e somente 5 dias de licença-paternidade. As agências federais, regulamentadas pela Lei 13.536/2017, concedem somente licença-maternidade, também por quatro meses (120 dias). Para as mães pesquisadoras da USP, esse cenário produz uma distorção na qual, em gozo da licença-maternidade de seis meses, deixarão de ter bolsa de pesquisa nos últimos 2 meses de suas pesquisas, habitualmente um período crítico de conclusão do trabalho. Os pais pesquisadores, por sua vez, são completamente desestimulados a solicitar licença-paternidade, uma vez que o período de 5 dias concedido pela FAPESP é administrável entre o aluno e a/o orientador(a), quando for o caso. A ilustração a seguir sintetiza esses descompassos:

Figura 1 – Lacuna entre as licenças parentais da USP e das agências de fomento e apoio à pesquisa

Fonte: Escritório USP Mulheres

A Covid-19 como fator de agravamento

No início do ano, o isolamento social foi adotado por diversos países como estratégia para o achatamento da curva de contágio da Covid-19. Desde então, assistiu-se a uma transformação acelerada nas dinâmicas sociais desses países. Sob a perspectiva de gênero, organismos multilaterais, como a ONU Mulheres, têm alertado para, pelo menos, quatro formas de diferenciação na forma como mulheres e homens têm sido impactados pela pandemia: 1) a tendência à sobrecarga do trabalho doméstico e de cuidado sobre as mulheres; 2) maior vulnerabilidade econômica dessas em relação aos homens; 3) maior dificuldade em acessar serviços de saúde da mulher, e 4) o aumento da violência doméstica nos contextos de isolamento social prolongado.

No período anterior ao isolamento social, a produtividade científica das mulheres brasileiras revelava-se alta quando comparada a outros países. O estudo Las Brechas de Género en La Producción Científica Iberoamericana da Organização dos Estados Iberoamericanos (OEI, 2018) constatou que, entre 2014 e 2017, 72% dos artigos publicados nos periódicos agregados à rede Web of Science foram de autoria ou co-autoria de mulheres. A queda da produtividade científica e acadêmica das mulheres em diversos países durante a pandemia de Covid-19 – e de maneira mais acentuada daquelas que são mães – tem sido diagnosticada em diferentes contextos. A revista Nature publicou um levantamento da pesquisadora Megan Frederickson, no qual a autora identifica a queda na taxa de submissão de artigos por parte das mulheres nas plataformas científicas bioRxiv e arXiv e o aumento da desigualdade em relação aos homens. 

Em âmbito local, a publicação Dados Revista de Ciências Sociais contabilizou 38% de artigos submetidos por autoras mulheres no primeiro trimestre de 2020, contra apenas 13% no segundo trimestre. Outros estudos, como a pesquisa “Produtividade acadêmica durante a pandemia – efeitos de gênero, raça e parentalidade” (Movimento Parent in Science, 2020) constatou que 66% das mulheres com filhos conseguiram cumprir prazos de solicitação, submissão ou prestação de contas, em comparação com 79,9% das mulheres sem filhos. A mesma diferença foi observada entre homens com e sem filhos (77,1% e 84,6%, respectivamente).

O programa de suplementação de bolsas às alunas e aos alunos da pós-graduação em licença parental surge como uma resposta da Universidade de São Paulo para este grupo. Esta ação, por sua vez, articula-se com outras medidas já implementadas, como as alterações de prazos para a entrega de projetos de estágio probatório, relatórios de atividades acadêmicas e relatórios anuais de atividades sujeitas a credenciamento em vias de finalização (Ofício Circular GR 249), e outras iniciativas em formulação.

Como solicitar a suplementação

A suplementação emergencial prevista Resolução USP-8020 seguirá os seguintes parâmetros:

I – Bolsistas dos Programas de Pós-Graduação que obtiverem prorrogação de prazo da vigência de bolsas de estudo concedidas pelas agências oficiais de fomento, em razão de maternidade ou adoção, poderão solicitar à PRPG suplementação emergencial de até 6 meses da respectiva bolsa, descontados deste período os meses já suplementados pelas agências, desde que atendidas as demais condições da presente Resolução;

II – Bolsistas dos Programas de Pós-Graduação que recebem bolsa de agências oficiais de fomento, em gozo de licença-paternidade registrada no sistema administrativo da PRPG, poderão solicitar à PRPG suplementação emergencial de 1 (um) mês da respectiva bolsa, desde que atendidas as demais condições da presente Resolução.

Artigo 3º – O valor das bolsas previstas na presente Resolução será o mesmo das bolsas concedidas pelas agências de fomento ao final do período de financiamento, evitando-se duplicidade, para alunos(as) regularmente matriculados(as), previamente ao depósito da tese ou dissertação.

Artigo 4º – Os pedidos de suplementação emergencial

deverão ser realizados à PRPG dentro do intervalo entre o início das licenças até 6 meses antes do prazo final para depósito da tese ou dissertação, limitado em qualquer caso à data de 31-12-2021.

§ 1º – Os pedidos de suplementação emergencial deverão

estar instruídos com cópia da aprovação da bolsa pela agência de fomento, no caso de licença maternidade e adoção.

§ 2º – Os pedidos de suplementação emergencial deverão

contar com a ciência da respectiva Comissão Coordenadora do Programa (CPP).

Artigo 5º – Serão indeferidos pela PRPG os pedidos de

suplementação emergencial que ultrapassem o orçamento anual previsto nos exercícios de 2020 e de 2021.

Artigo 6º – Serão causas de devolução à Universidade

do valor integral da suplementação emergencial prevista na presente Resolução:

I – a determinação de devolução parcial ou integral dos valores da bolsa-paradigma pela agência de fomento, independentemente do motivo;

II – o recebimento concomitante de outra bolsa concedida

por agência de fomento, ainda que diversa daquelas previstas no § 2º do art. 1º desta Resolução, ou por qualquer das Pró–Reitorias da USP;

III – o descumprimento do Código de Ética da USP durante o período de suplementação emergencial, verificado por meio de procedimento que assegure o contraditório e a ampla defesa.

Artigo 7º – O recebimento da bolsa suplementar emergencial prevista na presente Resolução não gera vínculo empregatício com a USP nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim.

Artigo 8º – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

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