Escritório USP Mulheres lança resultados de pesquisa sobre os impactos da pandemia na USP, na perspectiva de gênero

A pesquisa coletou respostas de 47 faculdades, escolas e institutos, 16 órgãos da administração, dois hospitais e dois museus da USP, distribuídos nos sete campi da USP

Por Rodrigo Correia do Amaral

Revisão: Luana Siqueira

O Escritório USP Mulheres prepara o relatório final da pesquisa que analisou os impactos da Covid-19 sobre 840 homens e mulheres da comunidade universitária. Os dados foram coletados entre dezembro do ano passado e março deste ano. Coordenado pela socióloga e professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Maria Arminda do Nascimento Arruda, e pelo sociólogo Rodrigo Correia do Amaral, o estudo observou como estudantes, professores e servidores técnicos de ambos os gêneros perceberam os efeitos do isolamento social em suas vidas. A pesquisa coletou respostas de 47 faculdades, escolas e institutos, 16 órgãos da administração, dois hospitais e dois museus da USP, distribuídos nos sete campi que a universidade mantém na capital e no interior de São Paulo.

Alinhado com as preocupações discutidas pela ONU Mulheres com universidades do mundo todo, a ênfase do estudo foi investigar como a Covid-19 tornou mais agudas diferenças entre os homens e as mulheres que já existiam no período que antecedeu a pandemia em quatro aspectos: a) no tempo dedicado aos afazeres domésticos, ao cuidado de filhos e outros parentes; b) no acesso aos serviços de saúde – especialmente à saúde da mulher; c) na vulnerabilidade econômica das mulheres, que são a maioria em serviços informais e, por último (d), na exposição à violência doméstica. Além dessas questões, a pesquisa também investigou as condições do teletrabalho e do estudo remoto, do trabalho presencial que continuou a ser realizado nos hospitais universitários, e a saúde mental da comunidade universitária durante a pandemia.

Com relação aos afazeres domésticos e ao cuidado de outras pessoas, a maioria das mulheres (34%) despendia, antes da pandemia, duas horas diárias, enquanto 42% dos homens despendiam somente uma hora diária. Após o isolamento social, a maioria das mulheres passou a dedicar diariamente cinco horas ou mais (28,4%) nesta forma de trabalho não-remunerado, seguidas das que dedicaram quatro horas diárias (21,6%), ao passo que a maioria dos homens dedicou duas horas diárias (26,5%) ou três horas (21,8%) nessas tarefas. Ainda assim, contrariando o senso comum, as professoras da USP que possuem filhos aumentaram o tempo dedicado à preparação e ao oferecimento de aulas (85,7%), à organização ou participação em congressos (73%), à redação de artigos e patentes (60,5%), à realização de novas pesquisas (42%) ou à condução de pesquisas em andamento (28,6%). A mesma dinâmica foi percebida entre as alunas de pós-graduação que também são mães, mas com redução no tempo dedicado à condução de novas pesquisas (41%) e à condução de pesquisas em andamento (58,8%).

No sentido inverso, ainda que os homens tenham aumentado o tempo com tarefas domésticas em menor proporção ao tempo despendido pelas mulheres, a pesquisa registrou entre eles uma estagnação ou redução do tempo dedicado às atividades científicas. Entre os docentes, o único ponto que registrou aumento foi o tempo dedicado à preparação e ao oferecimento de aulas (86%) e, entre os alunos de pós-graduação, aumentou o tempo dedicado à condução de pesquisas em andamento (47,76%).

Desta forma, a pesquisa revela que o isolamento social impactou no aumento da jornada de trabalho das mulheres, especialmente das que são mães e passaram a dedicar mais tempo nos afazeres domésticos, no cuidado de outras pessoas, e ainda nas atividades acadêmicas e científicas. De acordo com Maria Arminda do Nascimento Arruda, uma das coordenadoras do estudo, esta dinâmica demonstra como as mulheres permaneceram produtivas diante de uma sobrecarga perversa que, historicamente, as penaliza mais do que aos homens. Esses, por sua vez, parecem ter sido surpreendidos pelos desafios colocados pela pandemia, mesmo dedicando menos tempo aos cuidados com o lar durante o isolamento social, em comparação com as mulheres.

Os resultados da pesquisa Impactos da Covid-19 na USP demonstram ainda como a oscilação da renda na Universidade é um fenômeno mais determinado pelo tipo de vínculo mantido com a USP do que pelo gênero. Neste caso, estudantes de ambos os gêneros enfrentaram maior vulnerabilidade do que professores e servidores. Com relação ao acesso a serviços de saúde durante a pandemia, a maior parte da amostra assinalou ter ocorrido sem maiores sobressaltos, tanto para si como para seus dependentes. A parte específica da saúde mental apresenta um quadro no qual, simultaneamente, ocorre a diminuição e o aumento do consumo de álcool. No entanto, entre as estudantes mulheres são registrados uma maior frequência no consumo de medicamentos. A parte final da pesquisa registra que, no universo da amostra, as interações no lar não foram marcadas pela violência física ou sexual, sendo mais frequente para mulheres e homens o registro de violência psicológica ou moral, marcada por agressões verbais.

Os coordenadores do estudo concordam que a relevância da pesquisa está tanto em demonstrar que a USP é uma instituição na qual a maioria dos seus membros foram preservados dos efeitos mais drásticos da pandemia – como a alta exposição ao contágio ou a perda da fonte de renda – mas que este tipo de cenário oculta casos desviantes bastante sérios. Entre outros exemplos, o estudo registrou que, ao passo que quase a totalidade da amostra trabalhou ou estudou de forma remota através de computador próprio (87,9%), quando o foco é ajustado sobre os estudantes de graduação, e de maneira mais específica sobre as alunas pardas, este percentual é reduzido para 66%, revelando desafios pré-existentes que a USP precisa enfrentar nos próximos anos, como a inclusão digital plena dos seus estudantes.

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